O Serviço Nacional de Informações SNI
foi criado em 1964, no início da ditadura militar. O órgão foi idealizado pelo
general Golbery do Couto e Silva, um dos principais articuladores do golpe
militar e do regime que governou o país por mais de 20 anos. O general foi o
primeiro chefe da agência, que reuniu cerca de três mil dossiês com informações
das principais lideranças políticas, sindicais e empresariais do país. A missão
do SNI era supervisionar e coordenar as atividades de informações e
contrainformações no Brasil e no exterior. Ao longo do regime militar, a
agência foi ganhando força e autonomia e, embora sua atividade fosse respaldada
por lei, atuou em diversas ocasiões de forma clandestina e/ou ilegal em missões
junto aos órgãos de repressão. O caso Baumgarten, até hoje não esclarecido, foi
um fato marcante que trouxe a público esses métodos.
Em outubro de 1982 foi encontrado o
corpo do jornalista Alexandre von Baumgarten, com marcas de tiro, na praia da
Macumba, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, após ter ficado desaparecido
por 13 dias. Ele havia saído da Praça XV para pescar com sua mulher, Jeanette
Yvone Hansem, e o barqueiro, Manoel Valente. Até hoje não se sabe ao certo as
circunstâncias do crime nem o paradeiro de Jeanette e Manoel. Para tentar
entender melhor essa história vamos mostrar quem era Baumgarten e quais os
possíveis motivos e pistas para esse misterioso assassinato.
À esquerda Alexandre von Baumgarten
Alexandre von Baumgarten, jornalista e
diretor da revista O Cruzeiro,
tinha um acordo com o SNI, de quem recebia dinheiro em troca da publicação de
matérias e artigos favoráveis ao governo federal. O Cruzeiro foi a principal revista ilustrada
brasileira entre 1928 e 1975. Em 1979, Baumgarten relançou o periódico, mas
adquiriu muitas dívidas e, para evitar a falência, buscou o apoio do SNI. Na
época, o Brasil era presidido pelo general João Batista Figueiredo, último da
ditadura militar no país. O jornalista se envolveu intimamente com a agência de
informações e sabia de muitos acordos escusos, inclusive utilizados para
conseguir patrocínios para a revista. Essa relação era perigosa e a ambição do
jornalista teria cavado sua própria cova.
Baumgarten começou a chantagear a
instituição para conseguir mais dinheiro. Com isso, ganhou a inimizade do general
Newton Cruz, chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informação. Dois
anos antes de sua morte, Baumgarten formulou um dossiê, chamado Yellow Cake,
em que anunciava sua morte:
“A minha extinção física já foi decidida pelo Serviço Nacional de Informações. A minha única dúvida é se essa decisão foi tomada em nível do ministro-chefe do SNI, general Octavio de Aguiar Medeiros, ou se ficou a cargo do chefe da agência central do SNI, general Newton de Araújo Oliveira e Cruz.”
Uma testemunha, o bailarino Claudio Werner Polila (conhecido como Jiló), afirmou ter
presenciado o sequestro do jornalista e reconheceu o general Newton Cruz como
seu autor. Sua versão foi desqualificada porque ficou “provado” que o bailarino
tinha problemas de visão e uma doença mental até hoje não especificada. As
estranhas justificativas para invalidar o depoimento de Jiló não convenceram
completamente a imprensa e especulou-se que foram usadas para mascarar os
verdadeiros autores do crime, nunca solucionado. Na época, o Caso Baumgarten
teve grande repercussão na imprensa e foi usado para ajudar a combater o
governo militar.
General Newton Cruz
Passados 27 anos, o ex-delegado e
exterminador profissional a serviço do regime militar Cláudio Guerra contou, em
depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, fatos sobre o caso
nunca antes mencionados. As informações foram publicadas em 2012 no livro Memórias de uma Guerra Suja, da
editora Topbooks. Guerra garantiu que a morte de Baumgarten foi encomendada,
porque o jornalista sabia demais, sendo considerado um “arquivo vivo”. O plano
original seria fazer com que a morte parecesse natural, injetando na veia de
Baumgarten um material importado da Inglaterra que não deixaria vestígios do
assassinato. Como o plano não deu certo, Guerra teria sido afastado da
“missão”. O ex-delegado afirmou que os coronéis Ary Pereira de Carvalho e Ary
de Aguiar Freire seriam os responsáveis pela morte do jornalista.
Porém há pontos em seu depoimento que
contradizem as investigações iniciais e nunca esclarecidos. Guerra afirmou que
o jornalista e a mulher foram capturados em Teresópolis, onde estavam foragidos,
temendo por suas vidas e acrescentou que Jeanette teria sido sepultada em um
dos cemitérios clandestinos usados para o sumiço dos corpos de presos políticos
pela ditadura militar. Segundo ele, um médico havia sido chamado para introduzir um peso no corpo do jornalista, para que este afundasse ao ser jogado no
mar. Mas essa operação não foi bem sucedida e o cadáver foi encontrado na
praia.
Jornal do Brasil - 1983
Esse caso continua sem
explicação concreta até hoje e podemos considerar como um alerta para a forma
de agir de certos órgãos do governo nessa época tão obscura de nosso país. Em
1999, o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, criou a ABIN
(Agência Brasileira de Inteligência) que tomou o lugar do extinto SNI.
- Fontes:
Livro: Memórias de uma Guerra Suja - Cláudio Guerra em depoimento a
Marcelo Netto e Rogério Medeiros, Editora Topbooks, 2012.
- Fotos encontradas na internet pelo Google e hemeroteca digital.
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